domingo, 25 de novembro de 2012

O SURFISTA-EREMITA





As entrevistas de Joaquim Sapinho sobre "Deste lado da ressurreição" são luminosas. Mostram alguém que procura algo de muito secreto e que se serve para esse fim do cinema. Nesse sentido, é um cineasta diferente dos outros e faz um experimentalismo que não é essencialmente cinematográfico.

O que transparece dessas entrevistas é o homem que fala duma experiência exaltante, com  palavras por vezes inspiradas, o que torna o cineasta menos interessante.

O "Corte de cabelo", o seu filme de ficção anterior,  é quase um clássico comparado com este soberbo filme falhado. Falhado, porque aquilo que sabemos ser o pensamento do realizador não se concretiza inteiramente no ecrã. De resto, é ele quem o diz, ele obedeceu à luz e ao lugar, às sugestões que o corpo do actor (Pedro de Sousa) recebia da forma das coisas. O milagre do filme é o encontro deste actor intuitivo, sem ideias preconcebidas,  e o cineasta que procura confirmar uma ideia sobre o que liga o convento e o 'surf'.

"O que me interessava é que a personagem não soubesse o que é a fé. A vivência do corpo dele no mar estaria numa direcção ligada à fé, mas ele não sabe isso e eu também não. Estamos deste lado da ressurreição." (Público: 16.11.2012 - Vasco Câmara e Luís Miguel Oliveira)

As cenas de auto-flagelação no convento dos Capuchos são um momento difícil em que a "visão" do realizador se presta mais ao anacronismo, senão a um certo ridículo. Esse momento, e a forma como é vencida a dificuldade, é de resto a prova de que o cinema se impôs.

"-Um dia, eu e o Pedro dizemos um ao outro, "é amanhã". E ele entra para o convento pela primeira vez e diz: "Acho que já percebi tudo." Foi só entrar e fazer as cenas. Agora, como é que ele sabe o que é uma mortificação? Não sei.

-As cenas da mortificação são um espelho das cenas de surf...

-Sim, como já tinha o surf, ele pensou que era o mesmo, que era uma questão de corpo. As celas diziam-lhe o que tinha de fazer, que tinha de se pôr de joelhos, que tinha de se virar."

Se "Deste lado da ressurreição" perde algumas vezes o contacto com a ideia inspiradora, é também porque tinha de falhar ao aflorar o irrepresentável.

O surfista-eremita, depois da iniciação no convento, pergunta a Deus o que deve fazer. A resposta evangélica é: "Vai e reconstrói a minha igreja."

É assim que aquele que fugiu do mundo regressa à casa familiar. Mas nós só vemos a porta e ouvimos a campainha e as pancadas. Essa imagem remete-nos inequivocamente para o cinema: por exemplo, o das comédias de Lubitsch. É uma assinatura feliz e que "aponta para a máscara".

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