As entrevistas de Joaquim Sapinho sobre "Deste lado
da ressurreição" são luminosas. Mostram alguém que procura algo de muito
secreto e que se serve para esse fim do cinema. Nesse sentido, é um cineasta
diferente dos outros e faz um experimentalismo que não é essencialmente
cinematográfico.
O que transparece dessas entrevistas é o homem que fala
duma experiência exaltante, com palavras por vezes inspiradas, o que torna o
cineasta menos interessante.
O "Corte de cabelo", o seu filme de ficção
anterior, é quase um clássico comparado
com este soberbo filme falhado. Falhado, porque aquilo que sabemos ser o
pensamento do realizador não se concretiza inteiramente no ecrã. De resto, é ele quem o diz,
ele obedeceu à luz e ao lugar, às sugestões que o corpo do actor (Pedro de
Sousa) recebia da forma das coisas. O milagre do filme é o encontro deste actor intuitivo, sem ideias
preconcebidas, e o cineasta que procura
confirmar uma ideia sobre o que liga o convento e o 'surf'.
"O que me interessava é que a personagem não
soubesse o que é a fé. A vivência do corpo dele no mar estaria numa direcção
ligada à fé, mas ele não sabe isso e eu também não. Estamos deste lado da
ressurreição." (Público: 16.11.2012 - Vasco Câmara e Luís Miguel Oliveira)
As cenas de auto-flagelação no convento dos Capuchos são
um momento difícil em que a "visão" do realizador se presta mais ao
anacronismo, senão a um certo ridículo. Esse momento, e a forma como é vencida
a dificuldade, é de resto a prova de que o cinema se impôs.
"-Um dia, eu e o Pedro dizemos um ao outro, "é
amanhã". E ele entra para o convento pela primeira vez e diz: "Acho
que já percebi tudo." Foi só entrar e fazer as cenas. Agora, como é que
ele sabe o que é uma mortificação? Não sei.
-As cenas da mortificação são um espelho das cenas de
surf...
-Sim, como já tinha o surf, ele pensou que era o mesmo,
que era uma questão de corpo. As celas diziam-lhe o que tinha de fazer, que
tinha de se pôr de joelhos, que tinha de se virar."
Se "Deste lado da ressurreição" perde algumas
vezes o contacto com a ideia inspiradora, é também porque tinha de falhar ao
aflorar o irrepresentável.
O surfista-eremita, depois da iniciação no convento,
pergunta a Deus o que deve fazer. A resposta evangélica é: "Vai e
reconstrói a minha igreja."
É assim que aquele que fugiu do mundo regressa à casa
familiar. Mas nós só vemos a porta e ouvimos a campainha e as pancadas. Essa imagem remete-nos inequivocamente para o cinema: por exemplo, o das comédias de
Lubitsch. É uma assinatura feliz e que "aponta para a máscara".
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