O retábulo de Isenheim de Grunewald |
"Querendo impedir, como nos impõe o nosso cargo, com
oportunos remédios, que o flagelo da perversidade herética difunda os seus
venenos em prejuízo dos inocentes, seja permitido aos inquisidores
supramencionados, Sprenger e Kramer, exercer o ofício inquisitorial naquelas
terras."
(Inocêncio VIII, 1484, bula "Summis desiderantes
affectibus", citado por Umberto Eco)
O papa Inocêncio, na declinante Idade Média, autoriza a
tortura para defesa dos dogmas da sua Igreja. A segurança de todo o edifício
católico depende da obediência 'inocente'. A obediência cívica não é
suficiente.
Já, a propósito de Cássio que o havia de assassinar com
os outros amigos de Bruto, o César do vate inglês diz que é preciso desconfiar
dos homens magros, porque em vez de se contentarem com os prazeres ao seu
alcance, pensam de mais.
É a lição dos falsos 'integrados' do Ocidente que, apesar
dos sorrisos e das boas maneiras, pensam com o turbante. Como os judeus que,
mesmo no auge duma assimilação conseguida, viviam para a sua Jerusalém Celeste,
os novos 'heréticos' inventaram o paraíso dos heróis e das virgens por que vale
a pena morrer, à medida em que o 'inimigo' de morte criou, na terra, a sua
distopia tecnológica e guerreira.
A Inquisição explica-se mais pela histeria do espírito
separado dum corpo que se despreza, como 'matéria vil', ou que é odiado como prisão da
alma, do que pela política dos interesses. À luz desta política, esse movimento
da Igreja foi uma calamidade. Como Spinoza foi perdido para nós, a nossa
própria economia perdeu os seus mais dinâmicos agentes.
Teria esta cultura podido inventar o 'habeas corpus',
quando fez dum corpo mortificado (é preciso o extremo dum Grunewald para ter
uma ideia dessa mortificação) o símbolo dos símbolos?
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