sábado, 3 de novembro de 2012

O RIO SAGRADO





Numa praia dos arredores do Porto, onde há um rochedo que parece uma das figuras da Ilha da Páscoa, alguém escreveu, noutra pedra, “com o esporão esta areia pode desaparecer”.

Apanho um punhado de areia e fico com uma ramagem de cristais de várias cores na mão, do branco ao preto. No entanto, não há nada de mais monótono do que a cor da areia...

Jean Renoir, a propósito do “Rio Sagrado”, que filmou na Índia, em 1951, disse:

“Os espectadores do “Rio Sagrado” poderão conjecturar que os pescadores em seus barcos no rio, os “coolies” formigando nas fábricas, as multidões nos bazares, e esses, pertencendo a todas as classes, que dormitam nos degraus dos templos, estão inconscientemente na origem da derrocada do mundo tecnológico do Ocidente. Eles não se revoltam, não utilizam armas, aceitam tudo. Tranquilamente, sem que eles próprios saibam, a crença na futilidade da acção está a tomar conta do mundo. Que interessa que os aviões cumpram horários e que os comboios cheguem a tempo? Na verdade, esses detalhes são apenas avatares infinitesimais do grande sonho de Brahma.”

Meio século depois, a profecia não se cumpriu e os próprios indianos parecem ganhos para a batalha da globalização e para o triunfo do “mundo comercial”. Decerto, a miséria e a opulência continuam a coabitar em metrópoles como Calcutá (o Bronx da Índia, nas palavras do cineasta), mas é legítimo perguntarmo-nos se a tradicional apatia deste pensamento resistirá à onda do “progresso”.

Duas famílias inglesas vivem o fim duma era. Os problemas sentimentais das três raparigas são vistos com a distância enternecida dum olhar experiente que compreende mas que se despede dessas vidas como o eterno movimento das águas do Ganges.

A morte de Bogey é dum belo simbolismo. A criança morre por querer aprender a lição da terra e a encontrar o espírito dessa estranha simbiose do humano e do animal. O deus-serpente não quis essa conversão. Mas é com uma aquiescência quase religiosa que a família recebe aquela morte.

Este bem pode ser o mais belo filme do mundo, mesmo que não anuncie o futuro nem represente a actualidade. Mas é mais real do que o real, como queria Rilke.

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