"O intacto torso de pedra, que é tudo quanto resta do kouros, emite luz como uma estrela, impondo um mandamento: "Tens de mudar de vida".
(Rilke, "Torso arcaico de Apolo")
Que luz é essa que emana da forma inacabada? E como é possível ler a interpretação do poeta sobre o 'mandamento' independentemente de uma moral?
É à beleza, a força terrível que 'desdenha destruir-nos', como diz na primeira elegia, que Rilke vai buscar as suas metáforas. Luz, estrela, fragmento de mármore.
O terrível shakespeareano, irmão do belo. Pensemos só no que o homem transformado (transtornado, também) deve à beleza que o faz esquecer raizes, tronco e folhas. O concreto do concreto. Daí o terror que espreita, porque já não é vida, ou esta vida.
A matéria de Paros, na escultura mutilada, intima-nos a encontrar a ideia, que não é outra que a ideia platónica. A arte fez-se símbolo, mónada de uma beleza inteira. A moral não faz parte desta religião. Numa revisitação ao magnífico 'Providence' de Alain Resnais, surge a expressão 'linguagem moral' que, apesar de tudo, o protagonista buscaria, depois da 'moral'.
'Mudar de vida' é o chamamento da 'verdadeira vida', do Belo, do perigo de viver, do estranho-familiar.
O terrorismo global, a abominável destruição 'conservadora' das novas tiranias, lembram o bíblico 'castigo' de Deus, as 'pragas do Egipto'. Podemos ver neles a Providência mais útil à vida, ou o 'mandamento da estrela'.
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