quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

ACIMA DA REFREGA

Escultura de Maquiavel feita por Lorenzo Bartolini


"Na sua análise das acções políticas, Maquiavel nunca dá expressão a qualquer sentimento de simpatia ou de antipatia. Para utilizar as palavras de Spinoza, ele fala destas coisas como se fossem linhas, planos, ou sólidos. Nunca atacou os princípios da moralidade; nem alguma vez  encontrou neles qualquer utilidade."
(Ernst Cassirer)

Esta decisão de ir ao encontro da 'geometria' escondida sob as nossas acções, isto é, de procurar nelas aquilo que os Antigos chamavam de Necessidade, é genuinamente ocidental, caracteriza o nosso 'cânone'.

Desde Ptolomeu a Descartes e à moderna filosofia das ciências, passando por Hegel e Marx, sempre procurámos a simbologia das "linhas, planos, ou sólidos" por detrás da linguagem com que descrevemos a natureza como diferente do homem e objecto da sua 'consideração'. É essa ideia ainda que inspira a investigação científica, que pode ser influenciada pela política, pelo 'ar do tempo', mas que se reclama impoluta de qualquer sentimentalidade.

Sem dúvida que isso assegura uma continuidade, uma coerência (ainda que sujeita a ocasionais 'disrupções' ou 'mudanças de paradigma') que o comportamento humano não pode revelar de qualquer outro modo.

A nossa vontade, as nossas decisões encontram nesse património de ideias, o seu leme no grande oceano indiferente das coisas. Chartier dizia que o mundo não nos quer bem nem mal, e é por isso que a nossa determinação 'geométrica' faz o seu caminho.

Maquiavel foi um espírito que soube pensar a acção humana como objecto dependente de leis que faltava descobrir. Antecipou as grandes visões sistemáticas que apareceram no mundo alguns séculos depois.

Mas não se tratava de uma verdade 'científica', era mais uma espécie de aposta que não podia deixar de frutificar. Porque o universo não quer saber de nós. De alguma maneira,  também nós nos podemos pôr 'acima da refrega', em relação a nós mesmos.

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