"No mesmo instante em que renuncias ao acordo com outrém, renuncias para a eternidade a saber o que é o bem e o que é o mal."
"L'Homme sans Qualités" (Robert Musil)
Robinson, na sua ilha, se dispusse do botão nuclear, poderia destruir o planeta sem distinguir entre o bem e o mal?
Como não poderia ter construído a bomba sozinho, só poderia ter accionado o botão por acidente, como quem tropeça. Ali não se diz que o acordo tenha de ser com os vivos. De facto, o acordo mais importante é com os mortos. "Os mortos governam-nos", dizia Comte.
Logo, se o 'homem-macaco' tropeçasse, não era responsável e não existiria o dilema moral. Mas se houvesse alguma humanidade nele (se não tivesse vivido sempre longe da espécie, e se tivesse sido 'alimentado pela loba', como os gémeos da lenda romana, então o acordo estava feito, ou tinha de ser feito.
Por isso, a personagem de Musil não tem razão. Ninguém pode renunciar completamente a esse acordo. Porque faz parte do seu ser; a própria linguagem o mostra, porque ele é o melhor exemplo de um acordo daquele género. Os acordos ortográficos expressam isso mesmo. Para rever um acordo, é preciso que haja um acordo pré-existente. Embora os acordos ortográficos sejam construcções artificiais e se arroguem uma compreensão da língua natural que não podem ter.
O caso é que um terrorista, por exemplo, é capaz de espalhar a morte num grupo estranho (que pode ser o resto da humanidade), mas sempre na base de um outro acordo fundamental com os seus irmãos, vivos ou mortos, no fanatismo.
0 comentários:
Enviar um comentário