segunda-feira, 6 de outubro de 2014

A VERTIGEM DA SUPERFÍCIE

A construção do navio Argos


"Já não acreditamos que a verdade continue a ser a verdade sem os seus véus - vivemos de mais para isso. Fazemos agora uma questão de decência de não querer ver tudo nu, de não assistir a tudo, de não procurar compreender tudo e tudo "saber".

"-É verdade que Deus Nosso Senhor está em toda a parte? perguntava uma rapariga à mãe. Acho isso muito indecente..."

"A Gaia Ciência" (Friederich Nietzsche)


Ainda hoje, estas palavras causam escândalo.

O saber grifado remete-nos para um outro saber, o saber viver, dos tempos sem falsa consciência, o dos Gregos, que na expressão de Nietzsche eram superficiais pela profundidade.

Como se fosse possível imaginar uma obscuridade sem obscurantismo, um destronar da Razão sem irracionalismo. É possível a muito poucos. Àqueles que já viram que, nem como espécie, alguma vez saberemos tudo, compreenderemos tudo. Que já hoje sabem que isso nem sequer faz sentido.

E, daí os véus da verdade, eternamente se sucedendo.

Que nada nos obriga a sentirmo-nos culpados (de quê?), que podemos recuperar a inocência perdida (mas haverá uma inocência sem ilusões?).

Estas ideias, como se sabe, engrossaram a torrente anti-racionalista do século XX, de cujo aluvião não emergimos ainda.
Mas o que é que não flutuou nessa corrente e por ela não foi desfigurado, feito em pedaços, irreconhecíveis peças dum futuro Argos?

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