"Chocado e entristecido por estes acontecimentos*, Lívio começou a sua história de Roma com uma visão penumbrosa sobre o presente e as perspectivas do futuro.
Em tudo à sua volta via sinais de que Roma e o povo romano já não tinham o orgulho, a dignidade e a virtude que tanto haviam feito parte dos começos de Roma.
Este tema do declínio das virtudes romanas era parte da sua estratégia para encorajar os seus leitores a voltarem à grandeza do passado."
("Ancient Greece and Rome", Carroll Moulton, Editor in Chief)
* A guerra civil que levou à queda da República.
O passado sempre foi mitificado. O tempo é um poeta que reescreve a memória dos povos e dos indivíduos.
É a ideia da 'idade de oiro'. Depois dela, o metal só pode empobrecer.
Tito Lívio bem sabia que os séculos da história romana que antecederam o seu tempo e sobre os quais tinha de contar uma história que parecesse verdadeira, sem testemunhos vivos ou arqueológicos, era um mundo de deuses e heróis disputando ao homem comum a gesta duma civilização.
Lívio que, ao que parece, não serviu no exército, nem exerceu cargos públicos, foi motivado pela nostalgia da República, ou melhor, da sua idealização dela, e acreditava que o retorno a essa 'idade de oiro' era possível. Foi a sua paixão.
É uma paixão que não pode motivar nenhum dos nossos contemporâneos, afeitos à ideia do progresso e à permanente mudança. Os saudosos de Salazar sabem que o 'Estado Novo' não pode ser ressuscitado, a não ser como farsa (Marx dixit).
Apesar disso, é também verdade que o futuro idealizado pode tornar-se, cada vez mais, numa ideia do passado. É por isso que permanece ainda na nossa vida política o tema da 'idade de oiro', mas referida a um passado que nunca chegou a existir, por se conjugar sempre no futuro.
O sentido da utopia é o mesmo no passado mitificado ou na utopia do futuro. Nenhum presente nos pode satisfazer. Talvez esta seja uma das 'astúcias' da razão de que falava Hegel: um motivo sempre à mão para agirmos como se fôssemos 'livres'.
0 comentários:
Enviar um comentário