sábado, 16 de novembro de 2013

UMA "BOUTADE"

"Hoje, toda a gente escreve e já ninguém lê."

(Arnheim, personagem de Robert Musil)



T.E. Lawrence, o famoso Lawrence da Arábia, uma vez confessou a alguém sobre a prosa do seu muito admirado "Seven Pillars of Wisdom" que o seu estilo "era uma coisa fabricada, densamente incrustada com o que me pareceu os melhores bocados e as ideias mais giras de autores estabelecidos." (citado por William Rothenstein)

Esta 'boutade' não tira nada ao valor do escrito. Exprime até muito bem a teatralidade da personagem criada pela lenda. Pode ler-se como a vontade de subalternizar o escritor em relação ao fazedor de história. Mas ao mesmo tempo é uma ostentação do seu génio, para quem o que escreveu não requereu a invenção nem o esforço de que outros precisariam. Parece uma gabarolice adolescente, mas estamos aqui em presença duma 'avis rara'.

O curioso é que a 'boutade' sobre a facilidade em enganar o crítico de letras e de debicar aqui e ali os 'titbits' e os 'wheezes' deixou hoje de o ser porque escrever assim está ao alcance dum simples 'copy and paste', para não falar das capacidades autorais crescentes do computador.

Uma coisa que Proust gostava de fazer, o 'pastiche' do estilo dos outros (que é na verdade um fenómeno bastante comum na literatura, pois se começa quase sempre por imitar alguém), segue-se na lista das possibidades a curto prazo, tal como hoje já se converte uma fotografia ao estilo impressionista, por exemplo.

Com tanta gente, pois, a poder 'exprimir-se' que tempo e vontade há para os verdadeiros autores?

A tecnologia levou-nos a descobrir potenciaiidades da democracia com que nem sonhávamos. Mas se ninguém lê, é o melhor do espírito que se perde, em favor do mediano. O que é uma consequência adivinhada já por Platão.

 

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