A participação popular, entendida como a mobilização cívica das paixões, já foi entre nós uma ideia de guerra permanente. Como se a apatia proverbial do nosso povo durante o regime de Salazar tivesse de se resgatar por um estado de alerta totalitário.
Mas quem sofria mais com o apoliticismo das massas era o pequeno-burguês. Ele sonhava com uma aventura épica que o tirasse das suas contradições. A democracia burguesa era odiada pela sua monotonia. Por roubar a estes espíritos torturados a própria necessidade da vingança. Porque o estado que mais lhes convinha era o dos privilégios criadores de riscos e responsabilidade.
O pequeno-burguês, no meio do seu conforto, sentia-se como um oficial na reserva compulsiva. As coisas que a sociedade lhe dava, as vantagens dum bom ordenado e duma boa situação profissional dividiam o seu coração entre o gosto das comodidades e do prestígio social e a veleidade de pagar tudo isso, com a vida se preciso fosse.
Era nisso em que pensava ao ouvir um deles dizer que aquele governo já era totalitário, e que a situação em muitos aspectos era pior do que no fascismo. E mesmo essa sedução por uma figura como Staline, que só conhecia da polémica. A ideia dum povo gigantesco que sacrificasse a sua liberdade para levar ao camponês espoliado da América Latina a mensagem do socialismo era demasiado vital para a sua mentalidade e para uma existência como esta para se arrumar sob a categoria do erro ou da ilusão.
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