quarta-feira, 27 de novembro de 2013

AUTO-REVELAÇÃO

"Se não existissem seres humanos na terra, os objectos a que chamamos pedras estaríam aí, apesar disso; mas não seriam 'pedras', porque não haveria minerologia bem como uma linguagem capaz de as classificar e distinguir de outros objectos. (...) O inteiro desenvolvimento da epistemologia contemporânea estabeleceu que não há facto que permita que o seu significado seja lido transparentemente. Por exemplo, a crítica de Popper do verificacionismo mostrou que facto algum pode provar uma teoria, uma vez que não há garantia de que esse facto não possa ser provado de uma maneira melhor - por isso, determinado no seu significado - por uma teoria posterior mais compreensiva."

(Ernesto Laclau e Chantal Mouffe in "Post-Marxism without Apologies")

 

O social e a cultura vêm antes dos factos. Como dizem os autores, os factos não são 'transparentes'. Os mais óbvios resultam de uma leitura comum, de um consenso implícito. Por isso é tão importante dominar a linguagem e as sub-espécies dela.

Há factos científicos e técnicos que para a grande maioria das pessoas valem tanto como superstições. Quem precisa, por exemplo, de compreender a teoria quântica para aceitar como adquirido pela espécie, e seu de algum modo, um dos modernos 'gadgets' que existem graças a essa teoria?

A relação entre a extrema especialização científica e o comum dos mortais não é muito diferente da que existia entre os sacerdotes do Antigo Egipto e a população dos 'fiéis'. Porque sempre houve consensos deste tipo ao longo da história, entre os que julgam que sabem e os que sabem que não sabem.

A ideologia, proposta por Marx - e tacitamente aplicada a si próprio -, morreu com ele no 'marxismo triunfante'. Mas, de facto, continua a ser verdade que o pensamento acaba sempre em ideologia. Ela corresponde a uma leitura 'voluntária' dos factos que dispensa grandes consensos. Em política é uma espécie de auto-revelação do poder.

 

0 comentários: