"Poderá a música mentir ou será completamente impermeável àquilo a que os filósofos chamam 'funções de verdade'?"
George Steiner
Já alguém considerou Johann Sebastian Bach como o quinto evangelista. Foi, na verdade, um homem de fé, mas julgo que nunca considerou a inspiração religiosa suficiente. Seja como for, a parte da inspiração não lhe pertence, pelo que está fora da verdade e da mentira. Só os humanos mentem aos outros e a si proóprios.
O camaleão, por exemplo, é mentiroso? Só se considerarmos que mente a beleza da juventude (destinada à decadência natural). A natureza não mente.
Um compositor pode passar pelo que não é. Ser injustamente valorizado ou depreciado. Ainda aqui não se trata de mentira, mas de engano, ou de auto-engano. É erro e não mentira.
Como poderia, então, a música (e a arte em geral) mentir?
No caso em que o pintor 'falseia' os traços do retratado (mas a própria história da arte remeteu a imitação para o museu) pode, apesar disso, fazer uma 'obra de arte'. Não há maneira de fazer a arte mentir porque ela tem, no final de contas, a sua justificação em si própria.
Tomemos, por exemplo, a arte 'aprovada' pelo ideólogo de um regime político, como Idanov. Se tivesse tempo (70 anos não são nada), a propaganda transformar-se-ia num cânone inofensivo. Hoje admiramos a cerâmica da Grécia clássica, em que a noção de criador está quase ausente.
O cinema americano, com o código Hayes e as ligas de decência (que, em tantos casos, aguçaram o engenho do artista), está aí para provar que a verdadeira arte também sabe apoiar-se nos limites que a política lhe quer impor. Como o bloco de mármore, ainda na pedreira, não é, para a estátua, apenas resistência obtusa, mas também apoio e definição.
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