"O maior perigo de reconhecer o totalitarismo como a maldição do século seria uma obsessão por ele a ponto de ficarmos cegos perante os muitos males pequenos e não tão pequenos que perfazem o caminho para o inferno."
(Hannah Arendt)
Totalitário é um termo que se deixou de usar 'como soía' por estar ligado ao contexto da guerra fria e à 'novidade' do nazismo. Nem o Eclesiastes poderia negar essa característica do fenómeno. É decerto, também, uma questão de grau, porque noutras alturas da história as tiranias usaram de todo o seu poder. O que é novo aqui é a natureza desse poder.
Se o iluminismo surgiu, como Tony Judt dizia, "tanto para os simpatizantes como para os inimigos como a origem reconhecida dos dogmas políticos e programas sociais do século seguinte.", o fenómeno totalitário é o seu lado negro. E ainda servindo-nos da metáfora da luz, talvez a consciência do advento desse fenómeno e a militância política a que deu origem se tenham acomodado, desde então, à luz triunfante, sem sombras, que correspondeu, historicamente, ao colapso da URSS.
O perigo de 'ficarmos cegos' tornou-se a fatalidade de uma cultura da luz que negava transportar as trevas no seu interior. O 'totalitarismo' do mundo da técnica tornou-se invisível para aqueles que sonharam com a libertação da classe oprimida, ou, simplesmente, com a liberdade do indivíduo acima de tudo.
O poder do Estado e dos grupos mais racionalmente organizados foi a 'diferença específica' do nazismo. Tão eficaz e tão extensa (o extermínio em massa está aí para prová-lo) que esse poder pôde ser manipulado por loucos irresponsáveis.
Podemos dizer que, hoje, os 'males mais pequenos e não tão pequenos' de que falava Arendt ocupam toda a cena e que o totalitarismo se tornou no ambiente que já não sabemos nomear.
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