sexta-feira, 28 de outubro de 2016

ADEUS PIRILAMPOS

(Pier Paolo Pasolini)

"Desde então, e hoje ainda, o mistério é também aquilo de que se tem vergonha."
(Roberto Calasso)

Pasolini escreveu um texto com o título de "o desaparecimento dos pirilampos". A partir do início dos anos sessenta, deu-se conta de que graças à poluição dos ribeiros de água límpida, aqueles simpáticos insectos fosforecentes tinham desaparecido dos campos.

O fascismo, podia dizer-se que é também uma poluição da política que leva à extinção de outras luzes. Mas o paradoxo é que o que poderia ser o contrário da poluição, do entenebramento, é também uma forma de fascismo.

Não é por acaso que os partidos mais opacos tenham desde há muito tempo tentado negar essa opacidade através da 'transparência' que se tinha tornado numa espécie de 'politicamente correcto' antes do tempo. De facto, o ideal do fechamento é um simulacro do transparente.

A transparência é, na verdade, uma distopia. Não conseguimos imaginar uma pessoa 'transparente', nem mesmo ao nível da idiocia. O pensamento transparente é próprio das máquinas onde se encontra plasmado sob a forma de uma equação, de um algoritmo ou da pura geometria. As chamadas máquinas inteligentes, essas podem ser, e só elas, transparentes porque não têm vida, nem corpo.

Ora, o 'flagrante de litro' é que a tecnologia digital e a omnipresente Rede, com o domínio indisputado de toda a informação sobre os indivíduos parece perseguir um ideal da transparência que desaloje todo o mistério da anfractuosidade humana.

Mega empresas como o Facebook e a Google estão lançadas numa corrida para ver qual delas nos liberta mais depressa da vergonha. E com mais um pequeno esforço, seremos, finalmente, transparentes.

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