domingo, 9 de outubro de 2016

QUEM VAI AO LEME?

(Robert Musil)



"Todavia, Ulrich não tinha qualquer intenção de velar por mais tempo pelo destino de Moosbrugger. A desencorajante mistura de crueldade e de sofrimentos que forma a substância destes seres era-lhe tão desagradável quanto a mistura de precisão e de negligência que caracteriza os juízos que habitualmente lhes são destinados."

("L'Homme sans Qualités", Robert Musil)

Não é só a condenação do pensamento a preto e branco, da dicotomia dos bons e dos maus. Porque a verdade é que se pode ser 'exacto' na aplicação da lei, por exemplo, a infelizes como Moosbrugger, um 'desclassificado', um instintivo que não prima pela racionalidade, e, ao mesmo tempo, outra coisa (a negligência, como diz Musil), e aí é que estará talvez o cerne da (in)justiça.

Sabemos que não podemos deixar de 'simplificar', de reduzir a complexidade social (ou da natureza...) a um conceito operacional. A justiça quer-se célere, e um inocente condenado à morte, é um 'dano colateral' que é, em termos de um certo progresso, vantajoso pagar. Esse problema resolvido, a sociedade pode concentrar-se no que realmente interessa: o seu 'andamento', cheio de promessas e de surpresas. A bicicleta da Revolução não pode parar. Sim, porque o capitalismo conseguiu a proeza de fazer sua a ideia dos 'amanhãs que cantam' e os da revolução permanente. E a tecnologia é a nova cornucópia.

A bem dizer, se recuarmos ao tempo dos Antigos, temos de concordar com o Eclesiastes: nada é realmente novo.

O 'método' musiliano evita-nos, porém, o maniqueísmo, as certezas infundadas. O homem encontra aqui uma espécie de salvação, ou, pelo menos, de atenuante. É que a 'negligência', ou o amor da exactidão são paixões como as outras. O homem ideal não está aqui. A terra de que é feito, sim.

Antes de termos inventado os robots que fazem quase tudo por nós e os automóveis realmente auto, desde o princípio que confiamos as nossas principais funções a um piloto automático.



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