domingo, 2 de outubro de 2016

A MAIS DESGRAÇADA

"Vida de Oharu" (1952-Kenji Mizoguchi)

De filha de samurai a prostituta. A vida de Oharu não podia ter sido mais infeliz e, não fosse a finura de Mizoguchi, prestava-se a um pesado dramalhão.

De degrau em degrau, o opróbrio. Como dizia Simone Weil: "Especialmente, tudo o que diminui ou destrói o nosso prestígio social, o nosso direito à consideração, parece alterar ou abolir a nossa própria essência, tanto temos por substância a ilusão."("A espera de Deus"). Mas nunca o seu coração foi contaminado, como o prova a cena do templo em que parece reconhecer o rosto do amado na estátua dum samurai, assim realizando a igualdade das almas. Essa primeira queda com um homem de condição inferior é digna do amor. Katsunosuke declara-lhe a sua paixão. E porque ele arrisca a vida, ela reconhece o seu destino.


P.S. O mundo japonês (dos filmes históricos) é tão estranho como um mundo inimigo. Aqueles interiores precários, ao nível dos joelhos ( a grande articulação ), por exemplo. O futuro decapitado persegue Oharu de fora de casa, ao longo das paredes que vai deslocando lateralmente para proferir a sua declaração apaixonada, como se a casa disfarçasse a sua ocupante e uma a uma as máscaras fossem caindo.

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