quarta-feira, 22 de maio de 2013

PASSAGEM

Herberto Helder

 

"Hoje nada sei. Correm em mim os mortos, como água - com o murmúrio gelado da sua incalculável ausência."

"A Colher na Boca" (Herberto Helder)

No último filme de Malick, um dos amantes diz: 'sinto-te tão presente que quase posso tocar-te.' É calculável esta outra ausência, no mais íntimo do 'corpo a corpo'?

O paradoxo da solidão entre muitos é a mesma verdade centuplicada. Os amantes encontram-se quando se perdem.

Mas, no poeta, tudo isto está ligado à perda de um saber. 'Hoje, nada sei.' O saber de calcular este género de distância, esta ausência imperdoável.

'Os mortos passam como água'. Como noutro reino da natureza. Se assim deslizam sem se deixar prender a nada, será porque são já puros espíritos? 'Dos mortos, nada a não ser bem' ('de mortuis nil nisi bene' ) é o início dessa sublimação. Ou porque a água é a metáfora perfeita da vida que passa?

Infelizes daqueles que se agarram às margens.

 

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