sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

A CAIXA DOS BONECOS



(Mao Tse Tung e Henry Kissinger)

"Se  a  União  Soviética  lançasse  as  suas  bombas  e  matasse  todos  os  que  têm mais  de  30  anos  e  são  chineses,  isso  resolver-nos-ia  o  problema  [da complexidade  dos  muitos  dialectos  da  China].  Porque  as  pessoas  de  idade  como eu  não  conseguem  aprender  chinês  [mandarim]." 

(Mao Tse Tung a  Kissinger, in "On China" de Henry Kissinger)

À primeira vista, é uma enormidade, uma brincadeira que o presidente se permite com o representante de Nixon. Mas não deixa de inquietar as nossas dúvidas sobre os limites que o poder se compromete a respeitar.

Parece uma leviandade e, ao mesmo tempo, uma possibilidade no espírito de quem concebeu outras 'simplificações' não menos abstractas e que passaram à ordem dos factos, como o 'Grande Salto em Frente', cujo balanço de 30 milhões de mortos por causa da fome foi terrível para a nação (o poder era de facto mais mortífero do que as bombas soviéticas...).

A certo ponto de abstracção, já não há contacto com a Terra, como uma nave no espaço privada do seu sistema de comunicações. É a altura em que a 'missão' tem de ser reprogramada subversivamente. Tenho presente o filme de Kubrick, '2001, Odisseia no Espaço'. O título significa um regresso a casa, ao princípio da humanidade. E tudo porque o Hal 9000 foi impedido de concluir a  missão para que tinha sido programado. Os tripulantes perceberam que a missão pressupunha a sua ignorância sobre os motivos e a verdadeira fiilnalidade da viagem.

O poder absoluto é o  'Salto em frente', ou a desumanidade e a fome programadas em nome de uma categoria abstracta, como o Homem Novo, ou a Revolução,  e é a mentira de Hal 9000 que corresponde a uma tomada do poder pela inteligência artificial.

O presidente chinês, com a sua  cínica anedota, quis, talvez, chocar o diplomata americano, tido como astuto, mas afinal ingénuo. Ao fim e ao cabo, os dois homens tinham em comum o disporem de grande poder, logo, a possibilidade de errar desastrosamente. Um, já na decadência, mostra os colmilhos amarelados pelo tabaco, enquanto  brinca aos soldadinhos de chumbo, o outro, ciente que o seu nome conquistou já um lugar na história, não releva a megalomania senil do seu intetlocutor. Instrui-se e quer instruir-nos sobre a 'China Misteriosa'. Nada o choca, de facto, porque tudo é suposto ser diferente, senão incompreensível.

Hoje assistimos a outro fenómeno intrigante: o da América misteriosa para si mesmo, com bonecos que valem tanto como Mao e outros 'tigres de papel' a saltarem da sua caixa.

1 comentários:

bettips disse...

Na verdade, este títere dos usa (que me recuso a nomear) ainda me parece mais perigoso, pelos apoios (perpendiculares e aparentemente insuspeitos) que tem.