A história dos dois apóstatas de Nagazaki, baseada no romance de Shūsaku Endō, é o tema do filme "O Silêncio" realizado por Martin Scorcese. Dois padres jesuítas portugueses, Ferreira (Liam Neeson) e Rodrigues (Andrew Garfield), depois de verem os seus convertidos submetidos a cruéis torturas pelos homens do samurai Inoue (Issei Ogata) acabam por 'render-se', renegando todos os sinais exteriores da sua religião. Essa perseguição é levada a cabo com uma pertinácia infatigável, de acordo com uma doutrina minuciosa e implacável, exemplarmente explicada aos futuros apóstatas. A ideia é que o Cristianismo não pode ser 'transplantado' para um país como o Japão.
É preciso não esquecer que este é o 'império dos signos' de que falava Roland Barthes. O gesto de pisar uma imagem cristã nunca poderia ser uma formalidade, nem um gesto 'exterior' em relação à verdade. O 'todo' é visível e superficial; a profundidade não tem significado porque não é caligrafável. A tal ponto que o rústico crucifixo, feito por um dos camponeses martirizados, que aparece na concha das mãos do 'último padre' falecido e entregue aos rituais budistas, podia ter sido ali mandado colocar pelo próprio poder, no espírito da 'lição magistral' do inquisidor. A 'alma' não é assunto de estado, desde que não extravase da sua 'interioridade', desde que permaneça invisível. O inquisidor poderia até 'compreender' a sua vítima, ou a vítima do ser Japão, como ele gostava de dizer. E o símbolo secreto, talvez, uma 'recompensa' a título póstumo, pela perfeição do 'low profile' exteriormente nipónico, do renegado.
Como sempre se viu ao longo dos tempos a 'reserva mental', que viria a ser um dos labéus mais frequentemente atribuídos ao espírito da Companhia, não tem que ser uma traição ou 'apenas' uma arma de sobrevivência (basta lembrar o exemplo de Pedro, no Evangelho).
Tal como em Dostoiewsky, há nesta história um Inquisidor. A razão que o coração desconhece. E a mesma 'liberdade' que desgraça Ivan Karamazov.
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