(Kubrick's Dr. Strange love) |
"Mas o problema, desculpem lá!, não se chama Donald Trump, chama-se Estados Unidos da América. A América não é vítima de Trump, ele não é um epifenómeno que, “coitados !”, os americanos sofrem. Trump foi eleito pelos americanos, ele representa a América e é à América política – ao Congresso, aos Estados, aos nossos interlocutores institucionais, a cada diplomata americano que encontremos pelas esquinas da vida internacional – que devemos pedir responsabilidades por aquilo que Washington faz enquanto este Presidente lá estiver."
(Francisco Seixas da Costa, no 'Público' de 3/2/2017)
Este argumento parece ganhar força com o persistente apoio das sondagens ao cumprimento dos 'slogans' do candidato. Já sabemos que não é a maioria, mas que essa persistência é impressionante, é. Porque a situação mundial parece degradar-se mais a cada promessa cumprida. Note-se ainda a novidade de um 'pagador de promessas' (qualquer que seja a sua agenda secreta ou a sua ingenuidade) que arrosta com as instituições mais consagradas pela história do país e a cultura mais influente deste hemisfério para mostrar a sua independência da 'política' e de todas as pressões do 'establishment' para cumprí-las 'à letra', assim gravando (seguramente em caracteres dourados) a versão do seu mito pessoal.
Esta 'novidade' demonstra que estamos a sair, flagrantemente, do espaço público para outro tipo de ordenação. Nas pisadas de Hanna Arendt talvez se lhe pudesse chamar de espaço doméstico aberrante, uma ressurreição paródica do 'pater familias' que gere o seu latifúndio e os seus escravos com a competência auto-proclamada com que o novo presidente geriu o seu 'império' do imobiliário e os seus negócios dentro e fora, nas 'províncias'.
Ora, se quase metade do país suporta a monomania desta personagem é porque a América mudou de forma drástica. O processo eleitoral americano é justificadamente lento. Essa lentidão, porém, já não assegura coisa nenhuma, visto que o 'golpe de estado' demagógico passou todos os filtros e todas as barreiras.
O mundo tomou consciência, em estado de choque, que existem afinal duas Américas, e que chegou, talvez, ao fim a era de uma exemplar pluralidade. Não foram só as 'desigualdades' que dividiram a nação. A velocidade a que se sucede a mudança na América 'digital' (chamemos-lhe assim para facilitar) deixou na margem do subdesenvolvimento uma grande parte do país. Os novos milionários, todos incrivelmente ricos e poderosos, contrastam de forma violenta com populações que vivem ao nível relativo de uma tribo amazónica e, de alguma maneira arriscam igual estatuto museológico.
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