terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

MISANTROPIA

O capitão Alfred Dreyfus (1859/1935)


"Conversei um instante com Swann sobre o caso Dreyfus e perguntei-lhe como era possível que todos os Guermantes fossem anti-dreyfusistas. "Primeiro, porque no fundo toda essa gente é anti-semita", respondeu Swann que sabia no entanto por experiência que alguns não o eram mas que, como todas as pessoas que têm uma opinião ardente, preferia, para explicar que algumas pessoas não a partilhassem, supor-lhes uma razão preconcebida, um preconceito contra o qual não havia nada a fazer, em vez de razões que poderiam ser discutidas."

"Le Côté de Guermantes" (Marcel Proust)

Uma pérola como esta é o que perdem aqueles a quem afastam os sinuosos períodos da língua proustiana ou o aparente anacronismo dos salões de fim-de-século em que se cruzam títulos e raças já extintos.

Este texto denso, quase sem parágrafos para a página "respirar", que promete um corpo-a-corpo com uma vegetação luxuriante, cedo recompensa a fé do explorador intrépido.

Como ali. Quem não sentiu em si mesmo, no momento das grandes divisões políticas, essa misantropia que consiste em abdicar dos argumentos e supor no outro a estupidez dum preconceito ou a desonestidade dum interesse inconfessado?

Dá-se nesses períodos de convulsão social um fenómeno parecido com o da formação do gelo. Deixa de haver mobilidade, e o espírito fica prisioneiro do seu bloco.

É o que faz mudar de passeio a uma pessoa, dum momento para o outro, sem que lhe tenhamos dado o mínimo pretexto.

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