sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

COMO PEIXE NA ÁGUA

Église Saint-Pierre de Parthenay-le-Vieux ( XIIe siècle )

"O movimento ideal do amor não é, para Michelet, de penetração mas de afastamento, porque não é o sexo que dele dá a medida, mas o olhar. Da mesma maneira que vendo no peixe a água gelatinizada, Michelet constituía o universo como um objecto deliciosamente liso, também proteger a Mulher, recobri-la, envolvê-la, "segui-la" na sua superfície inteira, é conjurar toda a ruptura da matéria. A figura ideal do homem amoroso, é em definitivo a vestimenta: a diferença não é maior entre a alga e o peixe do que entre a pele e a seda que a recobre."

"Michelet" (Roland Barthes)

Encontro um exemplo desta inconsutilidade do olhar e da pele, num cineasta menor, Walerian Borowczyk ("Contos Imorais").

O contrário da montagem, do corte, é este deslizar acariciante do grande plano. Mesmo fora da situação erótica, a câmara que percorre o corpo (armado) ou um objecto técnico (a nave em "2001") diz-nos não só o que olhar, mas como olhar.

O que significa, em relação à acção do filme, este tempo da câmara no seu deslizar rasante? É um elenco. Como quando no romance de guerra se descrevem as forças em presença, ou os atributos e as graças duma personagem romanesca. Pausa e preparação.

"(...) uma vez que, normalmente, é o macho o primeiro a manter afastado, por uma espécie de tabu genético, da crise sanguínea da Mulher, Michelet esforça-se por despojar nele o genitor."

A atracção de Michelet pelos mistérios do organismo feminino, que o levam ao disfarce sexual (como Aquiles no gineceu) é talvez a chave do seu método de compreensão da história. Complementa o recurso às fontes e aos documentos pela identificação sexual e psicológica com as personagens, como se pedia ao actor de Stanislawski para fazer.

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