domingo, 17 de maio de 2015

GANESHA CONTRA O TERCEIRO REICH




"Ganesha Contra o Terceiro Reich" de Back to Back Theatre, na Culturgest.

"As duas narrativas na peça jogam com ideias sobre poder. Uma é sobre o líder do partido Nacional Socialista/nazi nesta espécie de ditadura fascista, enquanto a outra joga com um abuso de poder mais subtil. É a relação entre um encenador e um actor - esta é a relação que conhecemos melhor, portanto foi um bom ponto de partida - mas podia ser entre um pai e um filho ou um médico e um doente ou um psicólogo e um cliente ou um padre e a congregação."

Zoi Liaka, Ta Nea (Atenas), 24/3/2014

No início, há o roubo de um símbolo e a sua subversão. O nazi apropria-se da cruz suástica num momento de distração dos deuses e põe-na ao serviço do mal. A peça descreve a aventura de Ganesha, o deus com cabeça de elefante, deus da sabedoria, do conhecimento e de um novo começo, para a recuperar.

Este pano de fundo acompanha uma outra história em que um encenador tenta durante um ensaio levar os actores a conformarem-se com a sua ideia sobre a peça. Este poder de se impor aos outros em nome de uma interpretação pessoal é considerado natural neste tipo de arte colectiva. Habituamo-nos a pensar que a unidade da obra e o seu estilo dependem dessa convenção (ou que, senão, teríamos outra coisa, arte ainda, mas não como o teatro ou o cinema que conhecemos).

Esse poder parece incontroverso. Mas o facto de nesta peça quase todos os actores estarem  afectados por alguma deficiência física e/ou mental, sobrecarrega este género de teatro com uma espécie de abuso do encenador. Não se pode ter a certeza de até que ponto a manipulação artística é consentida. A maneira como vemos a deficiência leva-nos rapidamente a presumir que não podem ser verdadeiros actores, pela energia própria da deficiência que  aproximaria a representação da matéria plástica ou da passividade de um títere.

O momento mais crítico da peça é, então, a recusa de um desses actores em cumprir uma instrução do encenador. Quando lhe é pedido que caia, como se atingido de morte, segundo a norma do corpo inerte, o deficiente insiste em dar uma volta contra o princípio da gravidade, o que enfurece o encenador e o 'desmascara' perante os outros.

A conclusão é que a missão de Ganesha está perdida. Não é possível inverter os acontecimentos. Como o gesto de Prometeu, a usurpação do antigo símbolo hindu iniciou um novo estado de coisas e uma nova relação com os deuses. Além disso, o mal saído da 'caixa de Pandora', não é um privilégio dos nazis, mas está espalhado em todos os desníveis da sociedade humana.

Simone Weil, foi o único filósofo a identificar a necessidade da hierarquia como presença do sagrado. Na verdade, essa é uma mais do que legítima tentativa de 'salvar' essa necessidade da maldição do poder.

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