"Quando as "Cartas de um Lavrador da Pensilvânia" se tornaram conhecidas na Europa, Diderot disse que era uma loucura permitir que os Franceses lessem tais coisas, porquanto não o poderiam fazer sem ficarem intoxicados e sem se tornarem outros homens. Mas a França estava mais impressionada com o acontecimento do que pela literatura que o acompanhou. A América tinha-se por ela mesma tornado independente, sob menor provocação do que alguma vez foi motivo de revolta, e o Governo Francês havia reconhecido que a sua causa era justa e tinha entrado em guerra por isso."
"Lectures on the French Revolution"
(Lord Acton)
O alarme de Diderot mostra até que ponto a época das Luzes desconhecia o nosso conceito de tolerância e de liberdade. O enciclopedista por excelência teme o poder das ideias veículadas, neste caso, pelo género epistolar, donde a censura 'iluminista' é advogada sem disfarce.
Parece uma contradição, mas é, na verdade, consequente com a percepção do mundo iluminista. Se as ideias podem mudar o mundo para melhor, também hão-de poder 'intoxicá-lo' e mudar os Franceses (a diferença, em relação ao programa filosófico, é aqui o mal).
Acton limita-se a chamar a atenção para esta tentativa de 'tapar o sol com a peneira'. As 'Cartas' não podiam ser o 'medium' necessário para mudar o pensamento dos Franceses. A própria guerra de independência americana, na sua actualidade e 'razão' (como se na Europa, por um momento, fosse possível elidir o passado histórico) foi o 'medium' que libertou a ideia da Revolução do seu casulo filosófico.
Uma dúzia de anos depois, caía a Bastilha em Paris.
Esta ideia que incarna no movimento popular não obedece a nenhuma lei (e muito menos a uma lei histórica, que é um 'bicho de sete cabeças'). É uma 'singularidade', como dizem os astro-físicos, inexplicável e imprevisível.
O curioso é que a Revolução Francesa, paradigma da história que se lhe seguiu, tenha revertido em tão poucos anos.
Oiçamos Piketty: "No fundo, contudo, a França permaneceu a mesma sociedade, com a mesma básica estrutura de desigualdade, do 'Ancien Régime' à Terceira República, apesar das vastas mudanças económicas e políticas que tiveram lugar entretanto."
0 comentários:
Enviar um comentário