quinta-feira, 14 de maio de 2015

CARTAS DE UM LAVRADOR



"Quando as "Cartas de um Lavrador da Pensilvânia" se tornaram conhecidas na Europa, Diderot disse que era uma loucura permitir que os Franceses lessem tais coisas, porquanto não o poderiam fazer sem ficarem intoxicados e sem se tornarem outros homens. Mas a França estava mais impressionada com o acontecimento do que pela literatura que o acompanhou. A América tinha-se por ela mesma tornado independente, sob menor provocação do que alguma vez foi motivo de revolta, e o Governo Francês havia reconhecido que a sua causa era justa e tinha entrado em guerra por isso."

"Lectures on the French Revolution"
(Lord Acton)

O alarme de Diderot mostra até que ponto a época das Luzes desconhecia o nosso conceito de tolerância e de liberdade. O enciclopedista por excelência teme o poder das ideias  veículadas, neste caso, pelo género epistolar, donde a censura 'iluminista' é advogada sem disfarce.

Parece uma contradição, mas é, na verdade, consequente com a percepção do mundo iluminista. Se as ideias podem mudar o mundo para melhor, também hão-de poder 'intoxicá-lo' e mudar os Franceses (a diferença, em relação ao programa filosófico, é aqui  o mal).

Acton limita-se a chamar a atenção para esta tentativa de 'tapar o sol com a peneira'. As 'Cartas' não podiam ser o 'medium' necessário para mudar o pensamento dos Franceses. A própria guerra de independência americana, na sua actualidade e 'razão' (como se na Europa, por um momento, fosse possível elidir o passado histórico) foi o 'medium' que libertou a ideia da Revolução do seu casulo filosófico.

Uma dúzia de anos depois, caía a Bastilha em Paris.

Esta ideia que incarna no movimento popular não obedece a nenhuma lei (e muito menos a uma lei histórica, que é um 'bicho de sete cabeças'). É uma 'singularidade', como dizem os astro-físicos, inexplicável e imprevisível.

O curioso é que a Revolução Francesa, paradigma da história que se lhe seguiu,  tenha revertido em tão poucos anos.

Oiçamos Piketty: "No fundo, contudo, a França permaneceu a mesma sociedade, com a mesma básica estrutura de desigualdade, do 'Ancien Régime'  à Terceira República, apesar das vastas mudanças económicas e políticas que tiveram lugar entretanto."


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