sexta-feira, 27 de março de 2015

O ALHEAMENTO DA POLÍTICA


"A solução, fazendo eco de Blinder e da sua defesa de um modelo como o da Reserva Federal, seria delegar poderes a instituições que, por desígnio, não são directamente responsáveis perante os votantes ou os seus representantes eleitos (Majone, 1996:10,3). Majone descreveu tais instituições como 'não-maioritárias' (...)

"Ruling the Void" (Peter Maier)


Voltámos, pois, à velha questão platónica. Devem governar os que são mais competentes na 'arte', ou os que são mais 'populares'? Platão, como se sabe, serviu-se do exemplo do piloto. Numa tempestade, estaríamos mais dispostos a entregar o leme (a conotação com os 'grandes timoneiros', de má memória, é inescapável) ao piloto ou a quem tivesse mais votos?

O filósofo tinha em mente, claro, uma sociedade muito menos complexa do que a nossa e pressupunha que a 'arte de governar' tinha como objecto um 'barco' conhecido. E hoje não é assim. A metáfora do barco e do piloto só serve para usarmos em expressões como 'estamos todos no mesmo barco', ou a do 'Grande Timoneiro', precisamente.

Apesar disso, 'mete-se pelos olhos dentro' que a intromissão de técnicos, especialistas ou simplesmente burocratas como o Sir Humphrey de uma conhecida série da BBC, no que 'deveria ser' ditado pelo voto popular, é cada vez maior. A União Europeia é o exemplo maior desse 'rapto' da Europa 'popular'. O 'sistema' das instituições comunitárias rege-se pela sua própria lógica e o que quer que se interponha é 'desvitalizado' como um dente supranumerário.

Estou em crer que a 'despolitização' crescente (rumo a quê? à 'domesticidade', sem dúvida) dos putativos eleitores não decorre do grande logro que não podem deixar de presenciar. Nalguns casos, o velho e revelho nacionalismo toma a vez do 'sentimento europeu', e é a única reacção.

O facto dos partidos se terem substituído à sociedade civil não podia por si só ser motivo da indiferença geral (a politiquice pode ser apaixonante, como o clubismo o é, se bem que aqui já estejamos um pouco fora do político). A realidade de uma transferência do poder dos partidos para a máfia financeira e para as instituições 'não-maioritárias', apesar da gravidade que apresenta e da grande frustração democrática que significa, tampouco me parece decisiva para explicar aquele 'alheamento' (termo que se deve distinguir do de 'alienação', no sentido marxista, porquanto não podemos conceber ainda uma 'saída do sistema').

Parece-me que o 'inquérito' deveria começar peo contexto tecnológico, o qual vai muito mais além da problemática de uma 'alienação' pelo consumo. Sinal de que o poder está a deixar de ser 'interessante'?

0 comentários: