domingo, 1 de março de 2015

A RÊS NO MATADOURO

"A room with a view"

"Carlota, não sentes tu, também, que podíamos estar em Londres? Mal consigo acreditar que todas as outras coisas estejam mesmo ali fora. Suponho que é por uma pessoa estar tão cansada."


"A room with a view" (E.M. Forster)



Quem não sentiu ainda que a presença dos compatriotas, no estrangeiro, arruina o nosso quase ridículo desejo de evasão? No romance, a pensão Bartolini, em Florença, frequentada por ingleses, e ainda por cima quando falha a prometida vista para o Arno, parece às duas turistas a materialização da má-vontade da pátria em deixá-las partir, como resposta à frivolidade de viajar, em que ela parece ver uma ingratidão e uma inconsequência.

Mas o encanto 'pernicioso' de Itália far-se-á sentir logo na primeira escapada de Lucy, livre por um momento da vigilância do seu 'chaperon'. A jovem esquece o guia (o Baedeker) que antes lhe parecera indispensável, para, nas palavras de Forster, 'começar a ser feliz'.

Na continuação da história, perceberemos o sentido daquele 'pernicioso', porque, regressada ao seu país, a verdadeira Inglaterra, não a dos ingleses da pensão Bertolini, Lucy procederá conforme se espera dela, segundo todas as convenções, e o episódio florentino não será mais do que um 'erro', erro talvez demasiado amado para o espírito da sua casta, mas perfeitamente 'estanque' nesse parêntesis do passado.

Esta Itália é certamente um 'cliché' na educação inglesa do tempo. Representa o pequeno extravio, o assomo de liberdade e de loucura que afirmará a posterior adesão à regra. E o sentido é que o desvio fortalece a regra futura. Mesmo quando se reconhece o bem-fundado das obrigações, ninguém gosta de entrar nelas como a rês no matadouro.


 

 

 

 

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