"O Homem Sem Qualidades" (Robert Musil)
Este é o retrato do protagonista, Ulrich. Não tem 'qualidades' porque a unidade delas não se chega a realizar. Cada um dos seus talentos poderia caracterizar um homem se fizesse parte de uma totalidade. Com esta dispersão vem o sentimento de que a linguagem já não cumpre o seu papel. É esse o desespero de Lord Chandos. Apesar (ou por causa) de toda a sua cultura, esta personagem (que dirige a sua carta a Francis Bacon, esse luminar do espírito científico) é acometida pela náusea que o faz sentir toda a impotência e toda a futilidade da palavra (científica ou outra).
Mas que rapto foi esse da 'unidade do ser'? Hofmannsthal foi um dos testamentários da morte nietzscheana de Deus. Ora, tal como no silogismo do Grande Inquisidor, sem Deus, tudo é permitido...ou tudo é expressão do sujeito e da sua libertação metafísica.
Musil situou a acção do seu romance no império austro-húngaro, uma entidade esquizofrénica em acelerada desintegração. A 'unidade do ser' que falta a Ulrich começa pela irrealidade da Cacânia (o país inventado pelo romancista). Em mais nenhum lado, a linguagem é tão absurda e falha tão completamente como no império bicéfalo.
É isto que as qualidades que faltam a Ulrich querem dizer. E não, como ouvi dizer a uma apresentadora na televisão, a falta de 'coluna vertebral'.
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