sexta-feira, 29 de abril de 2016

A SELVA ESCURA


Virgílio entre duas Musas


"(...) como é que ainda podia haver esperança! quem perdeu o caminho está encarcerado sem salvação na selva, sem nenhuma brecha, sem nenhuma clareira, se quiser estender ainda a sua esperança, lançá-la para além da floresta, para o inexpansível infinito, onde é possível vislumbrar a unidade, a ordem, o conhecimento total do conjunto das vozes, o grande acorde cheio de pressentimentos, abafando as vozes, soltando as vozes, o acorde que ressoa das últimas câmaras da unidade dos mundos, da ordem dos mundos, do conhecimento dos mundos, até à última solução onde ecoa a tarefa dos mundos (...), já o primeiro, o primeiro de todos os passos que se dirigisse em qualquer direcção da selva dos caminhos, exigiria para a sua realização, por mais rápida que fosse, toda uma vida, e mais do que toda uma vida, seria necessário uma vida infinita para conservar um único e escasso segundo de memória, uma vida sem fim, para lançar para a profundidade da língua um brevíssimo olhar!"

"A morte de Virgílio" (HermannBroch)

Tive que abreviar esta citação porque este é um dos períodos mais longos do livro de Hermann Broch.

O tema é o que está mais próximo das fontes do ser, para que se exige o "órgão do mistério" de que fala Cristina Campo.

E esta sucessão de espasmos do fraseado faz-me lembrar a lenta excitação que se resolve no orgasmo musical do "Tristão".

Como se poderia ser conciso, ou suficientemente elíptico para falar disto?

Este estilo é como a recitação dos mil nomes de Shiva, no hinduísmo.

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