quinta-feira, 7 de abril de 2016

A ABÓBADA

A fonte do Letes (Gustave Doré)


"Ainda não e no entanto já", foi a resposta do seu próprio peito, em suave voz de sonho, que já quase não era a voz do rapaz, mas antes a da noite e de todas as noites, a voz do espaço argênteo, que é a solidão da noite, da abóbada da noite, contemplada inúmeras vezes e no entanto nunca perscrutada, cujas paredes ele tinha tocado vezes sem conta e que agora se tinham transformado em voz. "Ainda não e no entanto já", graciosa e senhoril, sedutora e constrangedora, brilhando na noite e profundamente oculta, a palavra espontaneamente vibrante, a unidade da língua e da humanidade (...)"
"A morte de Virgílio" (Hermann Broch)

A experiência que nos é mais íntima é a que nos é mais estranha.

A abóbada de que fala Hermann Broch, de facto, fundimo-nos nela, formando um único ser, durante um terço da existência.

Mas antes de abrirmos os olhos e de nos pormos a pé, todos bebemos da água do Letes.

É um truísmo dizer-se que o sono se assemelha à morte. Mas nem por isso compreendemos melhor a noite.

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