("La lecture" de Fantin-Latour) |
Em mais uma visita à Gulbenkian, revejo o quadro de Fantin-Latour "La lecture" (1870), que me aparece subitamente moderno.
A luz concentra-se no rosto da auditora que, aparentemente, está a pensar noutra coisa. Ela está sentada e rodeada pela voz de uma mulher que lê para ela em voz alta. Mas adivinha-se um drama que não é o do livro e que ela procura, em vão, distrair-se da sua premência.
A que ouve tem o rosto preocupado sob a luz, como se o pintor procurasse nele captar todas as vibrações despertadas pela leitura.
Dir-se-ia ter desistido de sair. Com uma luva já descalçada vive um drama alheio ao enredo literário. Serve-se, talvez, da leitura para se acalmar. Vai ficar em casa e mil suspeitas lhe atravessam o rosto.
O que nós vemos é a vida impondo-se sobre todos os paliativos. Um livro pede toda a atenção e esperaríamos que o rosto assim cinzelado pela luz fosse uma 'tradução' da palavra escrita.
Mas, no caso, a leitura é apenas um calmante.
0 comentários:
Enviar um comentário