segunda-feira, 11 de julho de 2016

DUALISMO METÓDICO



Descartes (Groninger Museum)


"(...) não concebo qualquer extensão de substância em Deus, nos anjos ou em nosso espírito, mas apenas uma extensão de poder, de modo que um anjo pode proporcionar esse poder a uma parte maior ou menor de substância corpórea; pois se não existisse corpo algum, esse poder de Deus ou de um anjo não corresponderia a nenhuma extensão. Atribuir à substância aquilo que só pertence ao poder é efeito do mesmo preconceito que nos leva a supor toda substância, até a do próprio Deus, como uma coisa que pode ser imaginada."

(Descartes em resposta a Thomas More)

A acepção em que o grande filósofo considera a palavra poder não se 'encaixa' nos nossos usos de linguagem. Mas dentro do seu esquema dualista faz sentido considerá-la como a 'res cogitans' que, ao lado de Deus e da 'res extensa' formam a sua trilogia ontológica.

O 'método' leva-nos a pensar o mundo em termos de espírito e matéria, não como se fosse essa a sua realidade, mas como a forma mais 'rigorosa' de separar coisas absolutamente distintas e, assim, seria como uma 'prótese' epistemológica que nos permitisse entender o mundo em que vivemos e pensamos.

É o que Proust sugere no seu exemplo das lentes que experimentamos para obviar às insuficiências da nossa visão. O oftalmologista não nos interroga sobre a qualidade do que vemos, mas apenas pergunta se vemos melhor.

Segue-se que, para Descartes, não faz sentido atribuir realidade corporal ao que aumenta, em nós, o 'poder' (ou o espírito). E alguns contestarão esta afirmação com o testemunho de criadores motivados pela mescalina, por exemplo.

Mas o método cartesiano permite-nos mover a linha de separação. É o que todos fazemos quando empregamos a palavra 'verdadeiramente'.

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