terça-feira, 8 de dezembro de 2015

A GUERRA SEGUNDO LEÃO


Leão Tolstoi (1828/1910)

O príncipe André poderia escrever um tratado da guerra no momento em que, depois de defender o tímido capitão Tushin da acusação de ter abandonado dois canhões no campo de acção, se levanta da mesa em que reúne o estado-maior do príncipe Bagration. Acaba de perder as suas ilusões de glória militar.

A guerra, que o jovem ajudante observa lucidamente, pela sua frieza e o seu carácter altivo que o mantêm à distância das emoções da camaradagem e do poder, é julgada pelo que é: uma confusa e incontrolável cadeia de acontecimentos que arrebata a vida e a saúde de muitos homens e a imaginação de todos. É uma loucura a que indevidamente se presta homenagem. Os heróis, neste tumulto, são os mais inconscientes dos actores. Como o pobre Tushin exaltado pelo estrondo da sua bateria e o jogo de abater fardas azuis à distância. Se conseguiu deter o avanço dos franceses, foi porque os enganou com uma genica que não representava de facto força nenhuma. A bateria estava completamente isolada, e isso era ignorado por toda a gente, excepto de Bolkonsky. A sorte da batalha foi, portanto, decidida por um louco que escapou a todas as malhas da rede de comando.

O príncipe pôde assistir com espanto, mais de uma vez, às ordens dos oficiais mais experientes. E o próprio general reduzia a sua intervenção à táctica de assumir todos os relatos do que se passava nos vários pontos do campo de batalha, e visivelmente fora do seu controle, como se fossem exactamente aquilo que estava por si decidido e o que sempre esperara que acontecesse. Mas essa atitude, reprovável noutra situação, como a mentira e a vaidade, produzia um efeito maravilhoso na multidão de homens aterrados pela incerteza e a desordem.

O simulacro de pensamento e de vontade nesse símbolo a cavalo da unidade do exército era suficiente para insuflar o entusiasmo e provocar os hurras dos soldados. Compreende-se como a presença de Napoleão nas suas campanhas militares pôde transformar uma nação dada à frivolidade e à inconstância.

Se o homem não é senhor do seu destino no fragor das armas, se a única forma de espírito que se vê no rosto do semelhante é a fúria e o medo, é necessário dar à imaginação o exemplo dum homem que é o contrário de tudo isso. Quando o chefe é acometido pelo furor divino, os homens avançam para o suicídio com alegria. Bagration, cansado do seu papel de secretário da fatalidade, vislumbra, excitado, a ocasião de determinar o resultado duma escaramuça entre as centenas de acções que são suas por empréstimo.

Um dos homens do estado-maior, sentado à mesa presidida pelo príncipe Bagration, inventa a enérgica atitude que gostaria de opor à debandada do seu destacamento. Ninguém o pode contradizer, e é melhor assim, para o moral de todos. Ele próprio acaba por se convencer de que imaginou a realidade. É natural que André Bolkonsky despreze uma tal cozinha da coragem e do valor militar.

Essas pobres personagens do drama que tomam a cadeira dos deuses só merecem que a bela figura do príncipe os deixe entregues à suas tristes ilusões.

Assim, o espírito diz não à força.

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