Guido Piovene, autor, nos anos cinquenta, de uma monumental 'Viagem a Itália', escreveu, a propósito de Florença: " É difícil produzir numa cidade onde muitos só falam para escutar e escutam para registar se os outros disseram alguma tolice."
Seria demasiado esperar que essa atitude correspondesse a uma espécie de polícia da inteligência, o que, de qualquer modo só por si teria reduzido a quase nada as conversas ociosas. De facto, atrevo-me a supor que isso terá mais a ver com a antiga tradição política de forçar o destino através do envenenamento. A cidade, justa ou injustamente, ganhou a fama da alta intriga e da arte do subentendido. Que deliciosa oportunidade, nessa atmosfera de suspeita mútua, armar uma bela ratoeira aos incontinentes!
No tempo das 'indulgências', é claro que se acreditava na salvação da alma. O dinheiro pago era a prova disso, mesmo se revelava a materialização do 'poder espiritual'. A corrupção da Igreja deve ter 'solto as línguas' e dado à malícia florentina o pasto mais apetecido.
A cidade da arte renascentista cala hoje os antigos vícios. Piovene descobriu, porém, o seu segredo, tornado simpática idiosincrasia.
É irresistível, neste ponto, comparar essa idiosincrasia com o nosso próprio vício de maldizer, sobretudo dirigido a nós próprios, enquanto povo. Não se pode imaginar por um segundo sequer que nos auto-depreciamos porque temos um alto conceito do que deveríamos ser. A preguiça talvez seja a mola real. Porque ser afirmativo nos obriga pelo menos ao esforço de sermos consequentes.
Quanto mais cómodo não é fazer como os bancos falidos: não dar crédito. Dizer em vez de português, portuguesinho.
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