quinta-feira, 18 de junho de 2015

O CÉU DE NÉON

 

"Falando do lugar das humanidades nas universidades, ele chama-lhes uma 'velha Atlântida submersa', para a qual, outra vez, nos voltamos tentando 'encontrar-nos, agora que todos os outros desistiram'. 'As humanidades são como o grande Mercado das Pulgas de Paris de antigamente, onde, entre montes de sucata, as pessoas com olho para isso encontravam tesouros deitados fora..."

(Prefácio de Saul Bellow ao livro de Allan Bloom "The closing of the american mind")

Diz-se muitas vezes que a 'cultura geral' (mas o que será que distingue essa cultura de um concurso televisivo, como no filme de Redford ''Quizz show"?) é a melhor formação mental para a nossa época de aceleração histórica, em que as 'aquisições' científicas ou heurísticas, nos diversos campos do saber, são cada vez mais precárias. E propõem-nos, alguns, o modelo do 'robot' multi-usos, pronto a adaptar-se às novidades 'culturais', ao sabor da moda.

A especialização a todo o custo parece levar-nos para não se sabe onde, em todo o caso, com ela, e sem um grande esforço de síntese e de elaboração crítica, abdicamos de compreender o nosso mundo. O que é muito diferente da 'alienação' do passado, na falta de uma religião para a 'era da técnica', como diz MGTavares. Porque se não podemos 'compreender' o 'mundo aberto', podemos sempre ficcioná-lo através da mitologia.

O Mercado das Pulgas de que fala Bloom tem do pior e do melhor, a sucata e a jóia, ignorada, a não ser pela espécie ameaçada dos humanistas (ameaçada, porque a ciência moderna vai no sentido oposto, do não-humanismo, apesar deste ser apenas um nível mais do antropológico).

A nossa esperança é que num mais ou menos próximo futuro venhamos a descobrir esse legado, a Atlântida submersa de Bloom, como a Europa do século XIV descobriu a Antiguidade clássica.

Paradoxalmente, isso compara-nos e à nossa era, a uma nova Idade Média, que em vez das sombras do românico, apresentasse o brilho e o ofuscamento de um céu de néon.

 

0 comentários: