domingo, 21 de junho de 2015

CAÇAR RATOS





"O capital não é um conceito imutável: ele reflecte o estado de desenvolvimento e as relações sociais prevalecentes de cada sociedade.

(...) Certamente, o preço que os mercados financeiros estabelecem para o capital imaterial de uma empresa ou mesmo de um sector, num dado momento, é largamente arbitrário e incerto."


"O Capital no Século XXI" (Thomas Piketty)


O antagonismo que Marx teorizou entre o Capital e o Trabalho produziu um sentido histórico de enorme sucesso, cujos efeitos estão ainda longe de terem sido ultrapassados por qualquer outro antagonismo. Ora, uma mitologia do Bem e do Mal está na raiz da acção política e de todas as utopias que se sucederam na história.

O profeta alemão caracterizou o Capital de tal modo, indo ao 'âmago' de uma vampirização do trabalho assalariado, que de facto, a sua grande obra não se podia ficar por um relatório do 'estado de coisas'. Explicar o mecanismo do lucro implicava a denúncia da 'exploração do homem pelo homem', tema profundamente ético. A consequência, na lógica hegeliana (assente sobre os pés e não sobre a cabeça), era a 'necessidade' da Revolução/Salvação.

Aparentemente, a nossa época 'absorveu' essa dialéctica e o conflito 'histórico' implícito, através da sua relocalização, ao nível da cultura, ou da liberdade de opinião individual (porque 'tudo é relativo'). O 'pragmatismo', dos EUA, por exemplo, nas suas relações com a China significa que a fábula do gato, atribuída a Deng Xiaoping, funciona nos dois sentidos, enquanto as ideias inaugurais já estão no mausoléu, nos dois países. Este aparente acordo sobre a importância de 'caçar ratos' vai ao encontro das palavras de Piketty.

Pragmatismo e segurança, binómio em que perseveram os governantes americanos e chineses, talvez seja uma resposta à 'mutabilidade do conceito' e ao reino da arbitrariedade e incerteza que caracteriza o capital financeiro.

Pode supor-se que, na prática, as duas maiores potências económicas do momento estão em vias de, por um lado, trocar uma parte das liberdades por mais segurança (num conceito que abrange a economia), e, por outro, a abdicarem de uma parte da sua segurança por umas gotas de perfume democrático.

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