quarta-feira, 10 de junho de 2015

O ESPELHO

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"Não se deve, pois, esperar que sejam precisamente as obras geniais a ter sobre ele este efeito: são mais as obras actuais, e entre elas, as que tocam o humor mais do que aquelas que o espírito claramente desenhou, da mesma maneira que prefere aos espelhos fiéis os que lhe lhe afinam o rosto ou lhe fazem os ombros mais largos..."

"O Homem Sem Qualidades" (Robert Musil)

Como se vê, o autor identifica aqui, o génio artístico com a capacidade de retratar a realidade atribuída aos espelhos 'perfeitos', chamemos-lhes assim. Já Stendhal idealizava a tarefa do 'realismo' na literatura, comparando-a a um espelho que captasse as imagens da rua. Ingenuidade, sem dúvida, que o próprio Henri Bayle nunca aplicou nos seus romances, sendo um consumado politólogo do amor.

Musil está ainda mais longe de ser realista ou de ser fiel à realidade como um espelho. A sua grande obra podia classificar-se como um híbrido entre o aforismo filosófico e o fresco romanceado.

Mas é certo que as obras de arte 'actuais' respondem a uma 'inutilidade' (porque, em última análise, a obra de arte é auto-referente) do momento, e são 'consumidas' na hora. Parafraseando Proust, a arte empresta-nos óculos para ver melhor a nossa época, o que não é o mesmo que ver a 'realidade'.

O génio de obras do passado inclui esse 'ar de família' que a identifica com uma determinada época, mas é sobretudo a expressão de uma 'singularidade' humana que, na actualidade, é mascarada por factores alheios à arte, a começar pela existência de um mercado e de uma crítica a ele enfeudada.

 

 

 

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