domingo, 16 de fevereiro de 2014

AS VIRTUDES DO LETES

 

"- A maior desgraça, respondi, que pode acontecer a um jardim inglês que agrada, é conhecê-lo. O que não daria eu por nunca ter visto na minha vida mais do que um quadro do Corrégio ou nunca ter ido ao Lago de Como.'

Infelizmente, toda a ciência se assemelha num ponto à velhice, cujo pior sintoma é a ciência da vida, que nos impede de nos apaixonarmos e fazermos loucuras sem um motivo especial. Eu gostaria, depois de ter visto a Itália, encontrar em Nápoles a água do Letes, esquecer tudo, e depois recomeçar a viagem, passar os meus dias assim."

"Promenades dans Rome" (Stendhal)


É verdade. Nenhuma maravilha permanece muito tempo admirável. Ela não perdeu nenhuma das suas qualidades. Nós é que envelhecemos, conhecendo-a de mais.

Como Henri Beyle eu digo: ah! quem me dera poder ouvir ainda Mahler pela primeira vez ou ler Tolstoi sem os preconceitos (todos altamente favoráveis, aliás) que entretanto se interpuseram como uma lente entre mim e a " thing of beauty".

Felizes daqueles que conseguem esquecer e voltar às obras-primas com toda a inocência.

O contrário disto é dissecar. E aquele que não esquece nada volta sempre ao lugar do "crime" e só lhe resta analisar, desmontar, pôr a nu a estrutura, conformando-se, na falta de paixão, ao esquálido prazer de destruir.

 

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