"A indiferença perante o conflito é uma nobre virtude. Raros a possuem. O que sucede com as naturezas vulgares é que a nossa resolução boa, conscientemente reflectida, reforçada na mais legitima compenetração do dever, da dignidade, da honra, desmaia na conjuntura do conflito que vai provocar entre amigos, entre companheiros, entre camaradas, e nós precisamos de reagir sobre nós mesmos com toda a força da nossa coragem para nos determinarmos a efectuar pela nossa iniciativa a explosão da crise irreconciliável que presentimos latente, palpitante, dependente da palavra decisiva que por um dever de consciencia profundo e sagrado vamos lançar ao coração daqueles que nos rodeiam."
"As Farpas" (Ramalho Ortigão e Eça de Queirós)
Esta indiferença, prega-a Krishna ao príncipe Arjuna no 'Bhagavad-Gita'. Mas é preciso que a força do espírito compense a da cólera de que se abdica. A maior parte das nossas decisões difíceis partem de um gesto brusco que põe fim à interminável deliberação. Quem vive cercado de afectos de que depende a sua estabilidade mental, e às vezes a sua razão de ser, dificilmente escolherá a 'crise irreconciliável' que impõe uma 'boa resolução', boa no sentido ético e da cidadania.
É sabido que é na juventude, quando somos mais amados do que poderíamos amar, que há mais liberdade para as 'crises irreconciliáveis', o que é certamente um bem político do maior alcance.
Percebe-se que a ilustre dupla das "Farpas" tende a considerar o povo português mais conciliador, por sentimentalidade, do que o de outras nações, e eu acho que há alguma verdade nisso. A sentimentalidade pode ter tanta influencia como o clima.
No outro extremo, podemos considerar o caso das baixas temperaturas que convidam a outro tipo de laços sociais e em que se tentará evitará toda a 'crise irreconciliável' com outro empenho.
0 comentários:
Enviar um comentário