"O horror coexiste sempre com a beleza, com o amor. A história, que tenho contado, da mulher daquele bombeiro que morreu. Não queriam deixar, mas ela foi ver o seu corpo ao hospital, e o médico disse: ‘Isto que está aqui não é a pessoa que amas, mas um objecto, que tem de ser destruído’. É uma história de morte, mas também de amor. Porque esse lado também existe sempre, na vida. E eu procuro evidenciá-lo, nos meus livros. Não quero apavorar os leitores com tanto horror. Procuro sempre algo de bom que sobrevive. Algo que nos faça acreditar no futuro. Que nos mostre que há salvação. Como escritora, gostaria de percorrer esse caminho de purificação."
(Svetlana Alexievich, em entrevista ao 'Público', 27/4/16)
Como pano de fundo desta confissão, a guerra, tragédia de sempre, mesmo quando é motivada por uma grande ideia (e já se disse que a pior das guerras é a de religião) e Chernobyl, tragédia moderna, como a anunciada em 'Metrópolis' de Fritz Lang, a da ordem paranóica e da técnica cega, mágica, e, apesar de tudo, necessária porque não há regresso possível, nem a sabedoria de um novo Platão teria respostas para lá da utopia e de um 'novo começo'.
Svetlana acredita que há salvação e que o escritor tem uma missão. Nada disso, porém, encontra qualquer justificação no presente ou no futuro que ninguém sabe o que será. É já precisa uma boa dose de imaginação para pensar que as ideias de continuidade, evolução ou 'progresso' se impõem por si mesmas.
A 'salvação', ou a fonte de inspiração para alguém como Simone Weil, por exemplo, só pode estar no passado, nos monumentos da humanidade, nas 'vidas ilustres' e comuns que nos trouxeram até aqui. Ninguém pode inspirar-se no vazio, ou numa utopia que se descarte das nossas misérias e dos nossos esplendores.
Mesmo quando diz que o comunismo pode não ter morrido e talvez ressurja num 'país rico', a escritora não faz mais do que reiterar a grandeza da ideia contra os horrores da sua realidade ou da sua usurpação pelos tiranos de sempre.
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