terça-feira, 14 de março de 2017

PROMESSAS PERIGOSAS




Perante um filme como "Eastern Promises" (2007-David Cronenberg), eficaz a todos os títulos, perguntamo-nos o que significa, na sua economia, o voyeurisme de algumas cenas de violência.

E a verdade é que a história funcionaria sem isso, com um pouco mais de bom gosto e de bom senso, recorrendo à elipse ou ao fora de cena. Mas Cronenberg pretende mais do que uma compreensão intelectual da tragédia destas personagens. E aqui é a ética do cinema como espectáculo que é posta em causa.

Uma violência tão explícita como que nos mete na pele de Nikolai (Viggo Mortensen), o infiltrado da polícia na mafia russa, no juramento iniciático, quando tem de convencer o seu júri de "padrinhos", tal como na religião, de que abandonou pai e mãe e de que a morte se lhe tornou indiferente, desde os 15 anos de idade.

Londres é irreconhecível neste huis-clos, sem exteriores, nem paisagem, nem monumentos. O bebé da escrava de 14 anos que morre no parto é salvo no último momento, e o seu ADN fornecerá a prova que vai permitir prender Semyon (Mueller-Stahl), o patrão da mafia londrina.

Desesperada é a despedida de Nikolai, promovido ao lugar do chefe, de tudo quanto pode prender à vida uma pessoa normal, como esse amor nascente pela jovem enfermeira (Naomi Watts). Neste mundo subterrâneo, os deuses infernais conduzem o destino dos homens.

Podemos ver o filme de Cronenberg como uma fábula que encena essas forças secretas que espiam uma oportunidade para deixarem as furnas da clandestinidade e se tornarem a lei, fazendo soçobrar as maiorias saudáveis e entregues à felicidade do desperdício numa normalidade de pesadelo.

A história do século XX é o fantasma que habita esse sonho mau.

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