Georg Büchner (1813/1837)
"- O Doutor: Woyzeck, tu constituis uma soberba aberratio mentalis partialis, segunda categoria, lindamente caracterizada. Woyzeck, vais ter um suplemento. Segunda categoria, ideia fixa, estado mental geralmente satisfatório.
Continuas a fazer tudo como habitualmente, fazes a barba ao teu capitão?
Continuas a fazer tudo como habitualmente, fazes a barba ao teu capitão?
- Woyzeck: Sim, claro.
- O Doutor: Comes as tuas ervilhas?
- Woyzeck: Sempre como é preciso, senhor doutor. Dou o dinheiro à minha mulher para a casa.
- O Doutor: Fazes o teu serviço?
- Woyzeck: Sim.
- O Doutor: Um caso interessante. Sujeito Woyzeck, terás um suplemento. Conduz-te correctamente. Dá cá o teu pulso! Ora aí está."
"Woyzeck" (Georg Büchner)
A nota da tradução explica que "aberração mental parcial" designava, na época, o comportamento de indivíduos que perseguem fins quiméricos, usando meios aparentemente razoáveis (Michel Cadot).
A psiquiatria nos seus começos esgotava-se na classificação. O doutor da peça de Büchner compraz-se na definição latina, como o médico de Molière. As drogas de hoje, cada vez mais poderosas, podem de tal maneira modificar o comportamento que a doença original se torna um palimpsesto, passando o seu diagnóstico a uma espécie de língua morta.
A explicação de Cadot deixa supor, com aquele advérbio, que os "meios e os métodos" se servem da razão como disfarce para de facto levar água ao moinho da loucura. Mas já sabemos, desde Platão e o "Tratado das Paixões" de Descartes, que, em todos nós, a razão continuamente encobre e justifica os nossos desejos e paixões.
Woyzeck seria, nos nossos dias, contemplado com uma percentagem, muito redonda, de esquizofrenia. E, com isso, não se chegaria menos a mão à faca do crime.
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