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"Não impede que o pobre mundo sonhe sempre com o antigo contrato passado outrora com os demónios e que deveria assegurar o seu repouso. Reduzir à condição de gado, mas de um gado superior, um quarto ou um terço da espécie humana, talvez não fosse pagar demasiado caro o advento dos super-homens, dos puros-sangues, do verdadeiro reino terrestre... Pensa-se nisso, mas não se ousa dizê-lo."
(O padre de Torcy em "Journal d'un curé de campagne" de G. Bernanos)
Conheci um homem de bem que, vivendo no conforto dos seus iguais, era capaz de dizer em público que pensar nos 'humilhados e ofendidos' lhe estragava a sobremesa. Nada de novo porque essa culpa é partilhada por muitos outros (talvez seja isso o que significa ser de esquerda?). Mas sendo os homens o que são, pensando assim e contribuindo, cada um, com os seus hábitos e compromissos para a ordem que legitima a desigualdade crucial, só fazem jus ao fundador da religião que vaticinou o pecado, não sete, mas setenta vezes sete. Eis que o sentimento de culpa que foi o alvo preferido dos sarcasmos do profeta de Zaratustra, se tornou num dínamo congénito à nossa civilização.
Todos pecam. Os que aceitam, conscientemente, o ' antigo pacto com os demónios' (não foi assim com o sacrifício de gerações inteiras, em nome dos 'amanhãs que cantam'?), os que não querem saber, os que polvilham de cinza os seus prazeres e os que fizeram outro contrato demoníaco com a Utopia que lhes garante, para toda a vida, mediante uma quota e o endosso ao partido de toda a visão e de toda a responsabilidade, uma vida, as mais das vezes confortável, com o sentimento de serem, em vez de culpados, 'moralmente superiores.'
É muito crível que todas estas atitudes, com as suas diferenças paradoxais, façam na realidade parte do mesmo paradigma cristão.
Anuncia-se desde há muito tempo o fim desse paradigma. Deixaremos, quiçá, pela primeira vez na história de conviver com anjos e demónios. O certo é que os novos bárbaros já fazem parte de nós.
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