Pela vida militar, a hierarquia social entra no corpo. Não creio que a humilhação seja o sentimento normal de todo o recruta. Ninguém recorda com saudade um momento de humilhação e, pelo contrário, não há quem não sinta alguma nostalgia por esses anos em que o carácter se acabou de formar de encontro à disciplina inflexível.
Se é verdade que o oficial tem mais poder sobre os seus subordinados do que qualquer patrão, poder que em tempo de guerra é de vida ou de morte, esse não é um poder arbitrário, nem pessoal. Todo o soldado vê a necessidade da ordem quase mecânica, e mesmo a pena capital e o processo sumário se entendem à luz da segurança de todos e das terríveis consequências.
Quem manda tem de obedecer e isso é visível para toda a gente. Na sua trincheira, o homem da frente amaldiçoa o estratega e o burocrata, mas o exemplo dum destino comum com o resto da carne para canhão e a complexa organização que suporta paixões e interesses, ao mesmo tempo que esconde aos olhos do incrédulo herói o mecanismo da geral irresponsabilidade, levam-no a pressentir que no gabinete há outro escravo e que é esse espírito, longe do sangue e da terra, que está a ferros.
“Mars, ou la guerre jugée », de Alain, é o implacável veredicto contra esta loucura colectiva, sempre demasiado honrada pelo poder e venerada pelos ingénuos.
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