segunda-feira, 10 de agosto de 2015

O CAMINHO DA PERFEIÇÃO

 

"Estas passagens traem a exasperação algo humorada do recluso, nervoso, fastidioso e hiper-sensível, amando o silêncio e a paz, mas compelido à companhia diária e de hora em hora com pessoas de um tipo menos contemplativo: alguns encontrando em gestos extravagantes e sem sentido um escape para a vitalidade suprimida; outros transbordando de uma terrível euforia quais 'raparigas aos risinhos e impostores dando-se importância' (japping jugglers); outros tão longe do repouso que 'nem podem estar de pé, nem sentados, nem ficar quietos, a não ser que abanem os pés ou estejam a fazer qualquer coisa com as mãos.'"

(Introdução de Evelyn Underhill a "The Cloud of Unknown")

A 'Nuvem do Desconhecido' foi publicada em 1400 por autor anónimo. Sabe-se que era um discípulo de Dinis o Aeropagita e que viveu em reclusão em algum convento austero, com outros monges.

Não esperávamos que esta experiência fosse vivida com um espírito crítico tão moderno, virado para as 'fraquezas humanas', presentes em qualquer comunidade. A descrição dos tiques de alguns monges parte de um sentimento de curiosidade entomológica e está desprovida de qualquer resquício de 'caridade cristã'.

Faz-me lembrar a caracterização da personagem do "Ferdydurke" de Gombrowicz, sempre instável e em conflito mecânico consigo mesma.

Percebe-se que o autor gostaria realmente de estar só, o que é a definição mesma de monaquismo. Mas nenhuma regra pode apagar um espírito crítico. Os trapistas que se impõem um silêncio sem compromissos, não podem deixar de falar por todas as fibras do seu corpo disciplinado para a mortificação. Freud ainda não tinha inventado o 'retorno do recalcado' que faria desse silêncio imposto a homens na força da vida uma violência com maus resultados.

Mas antes que aparecesse essa consciência, esses protestos do corpo foram outras tantas etapas no 'caminho da perfeição'.

 

 

 

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