sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

O SÓSIA

" No seu 'O Despertar dos Mágicos', Louis Pauwels e Jacques Bergier atribuem a esta profunda crença nas origens glaciais do cosmos a confiança, alimentada por Hitler, de que as suas tropas haveriam de se sair muito bem no gelo do território russo."

(Umberto Eco)

O 'carisma' (às vezes também se diz: o 'magnetismo') do líder nazi era alimentado por crenças como esta, porque um céptico ou, digamos mesmo, um indivíduo inteiramente racional não seduz, nem enfeitiça o espírito dos outros. Ora, essa crença pessoal pode ser até desconhecida dos que o apoiam com mais ou menos entusiasmo. Eles acreditam na força que o líder transmite, e ele pode recebê-la das crenças ou teorias mais inverosímeis a que a sua mente se agarra como uma trepadeira.

A partir daí, o 'íman' pode abraçar uma causa menos esotérica ou menos absurda que seja partilhada pelo grande número, potenciando a energia de um móbil primitivo e mais secreto. Seria, no caso de Hitler, o ódio aos judeus um móbil suficiente para explicar o seu 'carisma'?

O final de 'O Grande Ditador' (Chaplin, 1940) pode ser, assim, interpretado de outra maneira. O discurso do barbeiro-sósia parece uma fuga da realidade que corta o filme em duas partes. Esta cena é, aliás, um dos poucos fiascos do realizador que parece ter-se momentaneamente esquecido do cinema e da sua obra para nos atirar à cara um panfleto de política... sentimental (não é Eisenstein quem quer). Mas, voltando à 'fuga da realidade': e se o judeu do gueto não fosse apenas o sósia de Hynkel - o nome que Chaplin deu a Hitler nesta comédia-, mas o próprio ditador, livre do seu 'carisma', das suas crenças mais nefandas, desarmado, enfim.

Demasiado ingénuo?

 

 

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