segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

O DENTE ACAVALADO

Ghost Orchid

"Além disso - disse o professor -, não é sinal de distinção ser-se belo. Dentro de algum tempo, nada quer dizer ter-se um nariz grego e peitos que parecem modelados em malgas de marmelada. Tudo se pode refazer conforme os gostos. Mas vês aquele dente acavalado que morde a boca como um larva a sair da maçã? Aquilo sim, é que é engraçado e, como tu dirias, excitante."

"Ordens Menores" (Agustina Bessa-Luís)

 

O eugenismo é uma ideia infantil. Mas ideia terrível quando se alia ao poder absoluto. Por que razão não havemos de endireitar o que nos parece torto, se podemos? Mas aí é que 'a porca torce o rabo'. Podemos, na nossa esfera privada, se os outros nos deixarem, começando por aqueles de quem dependemos afectivamente. Ora, o poder absoluto cria o vazio à sua volta e nada parece resistir-lhe. Até que, depois da paranóia, o mundo se imponha. Mas podemos morrer crianças, apesar de todos os desmentidos da realidade.

Pelo caminho que as coisas levam, a profecia de Agustina, pela boca de Nathan, o sábio, tenderá, cada vez mais, a cumprir-se. Os modelos de juventude, ou de maturidade, serão seguidos, deixando para trás toda a 'autenticidade' (não digo naturalidade, porque há muito fomos expulsos do paraíso).

A pornografia é um exemplo desta perda de autenticidade. Toda a beleza que entra nesse artifício se converte a um denominador comum que é o gosto, 'alimentar', pretencioso duma estufa de orquídeas (como em "The big sleep", a obra-prima de Hawks).

 

 

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