"- Não morra Vossa Mercê, meu Senhor, e siga o meu conselho e viva muitos anos, porque a maior loucura que pode fazer um homem nesta vida é deixar-se morrer sem mais nem menos, sem ninguém o matar, nem outras mãos que o acabem a não ser as da melancolia."
(Sancho a Dom Quixote)
A definição moderna de melancolia é a de uma" afeção mental caracterizada por uma depressão, mais ou menos acentuada, um sentimento de incapacidade, um desgosto da existência, e, às vezes, por ideias delirantes de autoacusação, de indignidade, etc." (Dicionário da Porto Editora).
Os Gregos consideravam-na um dos quatro humores que regulam a saúde do nosso corpo e dão origem aos quatro temperamentos da medicina. A palavra quer dizer bilís negra que se acreditava ser gerada no baço. A saúde dependia da harmonia entre esses quatro humores. Enfim, uma teoria genuinamente materialista inspirada na ciência física emergente. Não se imaginam aqui poderes ocultos nem segredos insondáveis, manobrados por qualquer demónio. Como dizia Alain, se os Gregos estavam errados essa era a boa maneira de errar. A mais fecunda, graças ao método utilizado.
O escudeiro do 'Cavaleiro da Triste Figura', sendo ingénuo e pragmático, desconfiava que a melancolia tivesse artes do diabo para levar um homem a atentar contra a própria vida, e a sua exortação tem tudo de um esconjuro e de uma chamada à razão.
Dürer representou a 'Melancolia' numa célebre gravura que poderá ter inspirado Cervantes. Afinal, eram ainda tempos de Anjos e Demónios. A mulher que vemos naquela imagem, rodeada de instrumentos, está desalentada e num estado em que o 'demónio' que lhe faz companhia pode tripudiar à vontade.
A 'Depressão', hoje, pode ser combatida com a química e parece dispensar uma exortação à maneira de Sancho. Mas o 'materialismo' tem limites óbvios. O 'corpo são' independente não existe.
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