"Num perigoso empreendimento desportivo, num exercício arriscado onde os gestos atingem uma perfeição quase abstracta sob o sopro da morte, todo o dualismo entre mim e o corpo tem de desaparecer. E no impasse da dor física, não experimenta o doente a simplicidade indivisível do seu ser quando se volta no leito para encontrar a posição da paz?"
"Quelques réflexions sur la philosophie de l'hitlerisme" (Emmanuel Levinas)
Será para muitos quase provocatório procurar uma filosofia, por muito elementar que seja, na doutrina do líder nazi. No momento em que se acaba de prestar mais uma homenagem às vítimas, em Auschwitz, parece que o dever dos que reconhecem que nenhuma reparação jamais lhes poderá ser feita, porque as nossas leis não foram pensadas para o monstruoso, seria o de se remeterem ao silêncio.
É verdade que a poesia é ainda possível, contra a predição de Paul Celan. E que a filosofia o é também, sendo cada vez mais necessária.
Levinas, nestas reflexões, faz a história dessa dualidade filosófica entre o corpo e o espírito que, tendo começado na Grécia Antiga, com o Judaísmo e o Cristianismo se tornou parte essencial da nossa civilização. O marxismo terá posto em causa, pela primeira vez, essa dualidade, 'amarrando' o espírito às 'condições de existência'. Mas o materialismo não conservou a sua 'pureza' inspirada na Física: "Os escritores franceses do século XVIII, precursores da ideologia democrática e da Declaração dos direitos do homem, confessaram, apesar do seu materialismo, o sentimento de uma razão que exorcisava a matéria física, psicológica e social. A luz da razão é suficiente para expulsar as sombras do irracional. Que fica então do materialismo quando a matéria é toda penetrada pela razão?" (ibidem)
A epígrafe deste texto sobre a indissociabilidade do corpo e do espírito, com os exemplos do desporto de risco ou da doença, corresponderia, portanto, a uma ideia moderna em que a ideologia biológica é determinante. Mas, bem vistas as coisas, é uma ideia anterior à própria filosofia. O século XX provou que podemos cair da civilização em qualquer momento. E essa não é uma singularidade germânica, está bom de ver...
1 comentários:
Gostei tanto deste seu escrito que não resisti à tentação de o partilhar no meu Facebook. Realmente a nossa cultura tornou-se palavrosa demais.
Obrigado.
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