Hannah Arendt costumava responder aos que se preocupavam com o seu excesso tabagístico e o seu ritmo de trabalho, que não ia começar a viver para a sua saúde.
É a recusa do "cadáver adiado que procria" do poema de Pessoa. A ideia de um plano ou de uma cadeia de montagem de que fazemos parte inconscientemente e que tem 'objectivos a cumprir', quer queiramos, quer não.
Mas, levando mais longe essa recusa, por que deveríamos viver para qualquer outra coisa? Arendt viveria para a filosofia e talvez achasse que para tirar maior partido da sua inteligência precisava dum estimulante como o tabaco e de viver em permanente 'stress'. Pode ser. Mas nunca vamos directamente para o que nos destrói. Pelo caminho há o declive e a perfusão. Ela que crismou a 'banalidade do mal', sabia que o hábito se nos cola à pele. É arriscado falar em escolhas.
Viver para a saúde é decerto diferente de viver com saúde. Mas Héracles, depois de vestir a camisa de Nessus, viu a sua carne incendiar-se e já não pôde arrancar a veste do corpo. Nessa altura, o herói resignou-se a morrer. Foi o seu último trabalho, o de desfazer-se do 'hábito'.
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