Rembrandt deixou-nos mais de 60 auto-retratos, alguns contando-se entre as suas obras-primas, como este em exibição no Metropolitan Museum, aos 54 anos. Ninguém dedicou tanto esforço criativo a reproduzir a imagem do seu próprio rosto.
Parece que o pintor sofria de estereopsia, o que levava o seu cérebro a ver o mundo a duas dimensões, como se fosse plano. No artigo citado (*), diz-se que isso resultou numa vantagem para a pintura do mestre (não se aconselha os aprendizes da arte a fechar um dos olhos para 'reduzir' certos efeitos da terceira dimensão?). Facilmente se encontrariam, na história da arte, outros exemplos em que a natureza fornece a 'lente' que distorce o mundo, levando instintivamente o pintor ao seu estilo. O impressionismo, por exemplo, foi uma criação ou a transformação de uma necessidade? O facto é que os nenúfares de Monet se parecem, cada vez mais, com a limitada visão de um processo de cegueira.
Voltando a van Rijn, a galeria dos seus auto-retratos corresponde ao que hoje chamaríamos de obsessão, a uma exagerada auto-focagem, pior ainda, a um narcisismo (os retratos da juventude são teatrais, noutros aparece como uma personagem histórica com a respectiva indumentária)? Teria sido um actor (falhado)? Ou tudo começou como uma 'verdura' inconsequente e frívola e tornou-se, com o tempo, o seu acto mais livre (desde logo das encomendas, tão necessárias, dadas as suas constantes dificuldades financeiras), a sua pintura mais íntima, a sua 'Recherche' proustiana?
Mesmo nos grandes pintores, o tempo sempre trai o artista. A maneira muda, reflectindo (quando não é ditada pelos imperativos exteriores) a metamorfose do 'olhar', a nova e antiquíssima forma do tempo.
Rembrandt deixou as ilusões para a pintura temática e para os retratos que pagavam bem. Na sucessão dos seus rostos, ao longo de 40 anos, ele diz-nos de que é que consta a expressão, qual é o seu verdadeiro objecto. Nesse plano, a decadência física é a primeira coisa que é negada.
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